Entre nós, estrondos, rachaduras do tempo - Celina Clark Reis


 

E Violet, quando foi notar, o dia já estava acabando, a folga, idem. Voltou para casa, aconchegou-se no traje de descanso, dormiu. 

 A noite passou, e como sempre, não fora longa suficiente. Nada muito inusual ao acordar. Foi ao seu posto de trabalho, ficar à espera de seu próximo cliente que havia marcado às 8 horas. Um pouco antes deste horário exato, a campahia soou, quebrando o silêncio matinal do segundo andar, quando ainda não haviam outros escritores trabalhando, além de Violet. E ali estava a sósia do irmão que por vezes vinha visitar Violet. Era Major Gilbert. O próprio. "Será Gilbert?" questionava-se, Violet. Ficou perplexa. Imóvel. Queria, mas não podia, gostaria, mas temia. O rapaz, após abrir a porta da frente, defronte à mesa de serviço, esperava um retorno ao que outrora deixara um sinal evidente, uma campahia soar. Violet, por sua vez, fitava aos olhos do rapaz, verdes como o verde esmeralda de seu broche (que fora um presente dele de tempos antigos). Confusa, apesar de todo conhecimento adquirido na sua jornada, sobre amor e palavras, no momento, sentia-se como um sujeito pacóvio sem informação, negligenciado. Da sala ao lado, aproximou-se da mesa, dizendo a única coisa a qual tinha certeza: "Eu vi... Eu vi seu túmulo." E com olhos expressivos e arregalados, continuou: "Como pode estar em pé?" "Ora, dizia o rapaz com um sorriso aliviado, da mesma forma que você se mantém, Violet. Somos humanos. E esse sou eu, e ainda não morri. Quero viver muito mais, e poder dizer-te tudo o que não pude dizer, poder fazer-te a compahia que nunca tive a chance. E depois de tanto tempo, finalmente ter a chance de lhe pedir um abraço." Ela reage, sem reagir. Um ovo constipado eclode no seu interior quente, e não deixa nenhum resquício na parte exterior. Tentando conter as reações que não existiam, ela segura firmemente no seu vestido longo de babados, abaixa o rosto, deixa os olhos semicerrados, marejados: "Major, da mesma forma que você me deixou, não podemos voltar a ter contato. Não sei por quê e como você está aqui. Como eu estou aqui. Mas sei, se você ainda quer que eu continue a viver, viver e viver... devo me distanciar definitivamente." A franja loira cobriu seu rosto, vergando sua postura. Major imitou o gesto, mas internamente. Diz que entendia, mas que não era o que esperava. Preparava-se para sair, quando um estrondo seguido de uma voz chorosa soou, interrompendo seu fluxo de saída. Outro estrondo: Violet batia com seus braços artificiais a mesa de serviço; Major saiu de sorrateiro. 

 Mãos. Violet olhou para as articulações de aço, frias. Uma. Duas, três gotas. Logo, articulações de aço encharcadas com um líquido aquoso, quente e salgado. Lágrimas. Lágrimas da jovem Violet. Tornou-as o mar que encharcou sua roupa, no dia em que havia pensado ter superado tudo. E se viu, perdida no meio do oceano. Piscou os olhos. Sentou-se sobre outra mesa, onde havia uma máquina de escrever. A partir daí, fez de seus prantos combustível para o tatear das teclas. A mesa que ficara entre os dois havia quebrado seus apoios. E o vento, mais uma vez, fez secar e aliviar a angústia, conforme finalizava a carta, soando o tintilar da máquina.

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