Quando fui poeta - Brenda Guerreiro
O inverno tinha chegado cedo dessa vez, a tarde estava fria. O garoto voltava da escola não muito apressado, pois não havia motivos para estar lá. Estava se descobrindo um amante das palavras, um artista que escreve para dar sentido a aquilo que chamamos de viver.
Uma vez, seu pai disse, que artista não era profissão digna, sendo contra essa escolha e falando para ele tirar isso da cabeça e estudar para ser um doutor, isso sim tinha futuro.
A sociedade enxergava assim a arte:
Entregar seu amor a algo sem valor, acreditar que tudo é apenas um show que protagonizamos para uma plateia morta, esperando que eles dêem a vida de volta a ela, esperando que as pessoas vejam o seu interior através de pinturas, preencham
seus ouvidos de música e poesia, para que elas possam acreditar que tem um lugar no mundo.
Naquele mundo a arte era algo desvalorizado. O menino queria ser poeta, mostrar aos outros o que tinha dentro de si, mas tinha medo do pai, este não suportava poetas, achava que o que escreviam não valia nada, não traria dinheiro, trabalho, reconhecimento.
Durante aquela tarde, enquanto voltava para casa pensava como iria comprar remédios para seu pai, ele tinha uma doença que os médicos desconheciam, disseram que logo iria matá-lo, ela atacava os pulmões, frequentemente tossia e reclamava de dores na garganta, mandaram ele ficar em casa e que iriam examiná-lo de tempos em tempos, nunca fizeram isso.
O garoto já tinha escrito vários poemas até então, de amor, tristeza, raiva, qualquer sentimento que presenciasse, se sentia livre com um papel e lápis na mão, suas ideias vagavam livremente, colocava todas elas no seu caderno, tinha medo delas fugirem. Escreveu poemas para a mãe, para o avô, aos amigos, até a menina mais bonita da escola, mas o que não entendia era que quando ia escrever algo para seu pai, todos os seus pensamentos sumiam, como se alguma coisa bloqueasse todas as palavras da sua mente. Era difícil para ele saber que o seu pai não o aceitava. Não sabia por que seu pai o odiava tanto, talvez fosse sua mente fechada, falava muito sobre seus pertences e seus valores, gostava de falar de dinheiro, um pedaço de papel com um rosto importante estampado, dizia que trazia felicidade, felicidade que poucos tinham a oportunidade de ter. O garoto não entendia e sofria muito com a rejeição. Quando ia jogar bola, brincar com os amigos ou quando acertava uma questão na prova de física, acreditava que essa era a verdadeira essência do sentimento, com pequenas coisas, pequenos gestos.
Naquela tarde fria, quando chegou em casa foi diferente. Seu pai estava de pé, a frente dele com o caderno na mão, ele tinha descoberto. Levou o garoto até o quarto, o jogou no chão começando a gritar, não conseguia acreditar que seu filho seria uma criatura tão desprezível, bateu no menino como se aquele merecesse toda a dor do mundo, parou quando estava satisfeito, vendo o menino quase morto á sua frente, saiu deixando-o sozinho.
Sua mãe chorava em silencio atrás da porta, vendo seu filho sem poder socorre-lo de tamanha crueldade, ela o amava pois o entendia e sabia que seu lado poeta e sensível muito se parecia com ela.
Meses depois, numa tarde quente de verão, o garoto caminhava escrevendo palavras soltas em uma folha de papel, pois as ideias surgiam a todo o momento. Até que se ouve um barulho alto, uma bala perdida, pessoas correndo e gritando, o poeta cai no asfalto sem vida, segurando a folha de papel que dizia:
“ Você deve pensar que não sou ninguém, que vivo com a cabeça nas nuvens, você tem razão, elas me levam a pensamentos verdadeiros cheios de sentidos loucos que você não entenderia.
Apesar de tudo que passamos juntos, quero que saiba que meu sentimento por você é o mais belo e puro de todos que já senti, o amor, e seguindo as nuvens busco nas palavras encontrar você...”
Te dedico minhas últimas palavras, Eu te amo Pai.
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